terça-feira, 8 de novembro de 2011

APOIO À AGRICULTURA FAMILIAR DÁ NOVO RUMO À POLÍTICA AGRÁRIA

Os conflitos fundiários e as dificuldades do poder público para fazer uma verdadeira reforma agrária no País e transformar todos os acampamentos de sem-terras em assentamentos rurais sustentáveis, têm deixado em segundo plano do noticiário nacional um processo que poderá promover uma verdadeira revolução no meio rural brasileiro. Intervenções importantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para alterar a política agrícola do País, aumentando o peso da agricultura familiar no sistema produtivo nacional, estão sendo subestimadas ou focalizadas de maneira fragmentada, tornando difícil entender onde o governo Lula quer chegar.
A análise detalhada da proposta orçamentária para 2005 e do projeto de revisão do Plano Plurianual de Investimentos (PPA 2004/2007), que estão no Congresso, permite visualizar mais nitidamente essa direção. O governo está voltado para melhorar as condições de vida no campo, com investimentos que elevem a qualidade e produtividade da agricultura familiar, para aumentar a renda e criar ocupação massiva no meio rural, reduzindo o êxodo dos últimos 50 anos, de modo a evitar a pressão sobre o mercado trabalho urbano.
O caminho para isso é ampliar a produção de alimentos com uma política agrícola que integre a agricultura familiar e a agricultura organizada em bases empresarias, conhecida como agronegócio. Essa integração era considerada impossível pelo governo anterior, que apostava em uma política voltada exclusivamente para o agronegócio, tal como fazem os países desenvolvidos. O financiamento da agricultura familiar era visto como política social compensatória, pois não se acreditava na integração dos pequenos produtores à economia de mercado.
O governo petista tenta provar que essa integração é possível e necessária. Pois, ao contrário dos países industrializados, que possuem entre 2% e 5% da população ocupada no campo, o Brasil ainda tem cerca de 20% de sua mão-de-obra no meio rural – dos quais 70% trabalhando na agricultura familiar. E a criação de empregos no campo sai muito mais barata que na cidade. Além disso, os pequenos produtores são responsáveis por 40% da produção agropecuária nacional, sendo os principais abastecedores de alimentos do País.
Reforma agrária não é política social
No entanto, o fortalecimento da agricultura familiar depende de políticas de crédito estáveis, assistência técnica, infra-estrutura, escoamento, seguro, garantia de mercado e preço e políticas sociais voltadas para aproximar a qualidade de vida no campo à das cidades (saúde, educação, cultura, lazer, energia etc). “Não aceitamos que a agricultura familiar seja tratada como braço social do agronegócio. A reforma agrária faz parte de uma política de desenvolvimento”, sustenta Fábio Pereira, assessor especial do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto.
Essa concepção, sustentada no programa de campanha do candidato Lula, orienta as ações do MDA desde o início do governo petista. Mas, só agora o objetivo da política agrária foi ratificado na prática, ao ser amparado pela proposta orçamentária para o ano que vem. Os programas e atividades supervisionados pelo MDA deixaram de ser considerados parte das políticas sociais do governo e passaram a integrar a área de produção. Tendo em vista que é no orçamento que um governo revela sua orientação e suas prioridades, essa alteração mostra que, para o governo Lula, a política agrária voltada para os pequenos agricultores tem a mesma dimensão que a política industrial e a de ciência e tecnologia.
Algumas informações sobre metas e aporte recursos garimpadas no PPA 2004/2007 e na proposta orçamentária de 2005 confirmam essa orientação. A começar pelo Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, carro-chefe do MDA. O objetivo do governo é expandir as linhas de crédito para beneficiar o maior número possível de produtores. No caso dos assentados da reforma agrária, a meta é elevar, até 2007, a taxa de beneficiados de 50% para 77% do total de produtores enquadrados nas condições exigidas pelo programa. O financiamento para os agricultores familiares mais pobres, com renda anual de até R$ 2 mil, atende hoje 17% da clientela. O PPA estima dobrar o índice nos próximos três anos. No caso dos produtores com renda familiar acima de R$ 40 mil anual, o objetivo é aumentar o atendimento de 44% para 50%.
Mais crédito para os pequenos produtores
Para alcançar essas metas, o governo tem ampliado significativamente a oferta de crédito aos agricultores familiares. Na safra 2002/2003, foram disponibilizados R$ 4 bilhões, mas só R$ 2,2 bilhões chegaram aos produtores. No ano passado, as linhas de crédito do Pronaf foram ampliadas para R$ 5,4 bilhões e o volume de empréstimos aumentou para R$ 4,5 bilhões. Para a safra que começou agora, já estão assegurados R$ 7 bilhões, o suficiente para atender 1,8 milhão de famílias (450 mil a mais que na safra anterior) - e o presidente Lula avisou que não faltará dinheiro se a demanda for maior. Uma das dificuldades para que os recursos cheguem aos produtores é a inibição decorrente da falta de instrução para apresentar um projeto ao banco, que também não estava preparado para atender pequenos produtores, pois a orientação anterior era dar preferência aos agropecuaristas de grande porte.
O programa de abastecimento agroalimentar é outro exemplo da nova orientação política. O objetivo desse programa é dar condições aos produtores para elevar a produção nacional de alimentos. No PPA 2004/2007, a meta é aumentar a produção de grãos de 123 para 153 milhões de toneladas por ano. Para isso, o governo mantém estoques reguladores que promovem o equilíbrio de preços, de modo a não deixar os produtores na mão perversa dos atravessadores, que aproveitam os períodos de excesso ou falta de produtos para lucrar ás custas de quem produz e quem consome. Apenas 0,5% das aquisições do governo vinha sendo adquirido da agricultura familiar. A meta do PPA é elevar essa participação para 8,4%. Em 2005, 100 mil famílias deverão ser beneficiadas com a compra de R$ 200 milhões em alimentos para abastecer programas sociais como o Fome Zero.
No caso da reforma agrária, houve ajustes nas metas do PPA para que fossem compatibilizadas com o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) aprovado pelo presidente no fim do ano passado. A previsão de recursos para a implantação de projetos de assentamentos rurais foi reforçada para acolher o aumento da estimativa de famílias assentadas de 195.818 para 391.522, beneficiando 90% dos trabalhadores sem-terra acampados hoje. O orçamento global do MDA proposto para 2005 (R$ 4,3 bilhões) é 63% maior que a previsão de gastos deste ano (R$ 2,6 bilhões).
O maior reforço foi na concessão de crédito para instalação das famílias assentadas. Passou de R$ 322,4 milhões para R$ 1,4 bilhão. Parte desses recursos (R$ 888,1 milhões) vão para financiar despesas iniciais das 115 mil famílias que o MDA espera assentar este ano. A outra parte (R$ 549,3 milhões) vai para 71.130 famílias colocadas em assentamentos recuperados. O crédito fundiário para aquisição de imóveis rurais e investimentos básicos teve também ampliação significativa – de R$ 340,5 milhões para R$ 427,2 milhões. Esses recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária (Banco da Terra) serão usados para financiar 27.188 famílias que queiram comprar terras nas regiões onde já não existem mais latifúndios improdutivos ou o tamanho da propriedade não se enquadra nos limites passíveis de desapropriação.
Nas regiões onde ainda existem terras improdutivas, a previsão para o ano que vem é preparar a vistoria em 4,6 milhões de hectares (ha) e concluir o processo de obtenção de 1,3 milhão de ha. Para essas aquisições serão emitidos títulos da dívida agrária (TDAs) no valor de R$ 567 milhões. Outros R$ 188 milhões deverão ser gastos para indenizar as benfeitorias da propriedade das propriedades desapropriadas. Do total de desapropriações, 105 mil ha são áreas remanescentes de 60 quilombos, onde serão assentados os descendentes dos escravos que fundaram aquelas comunidades. Também está prevista a regularização fundiária de 111.379 imóveis rurais.
Assistência técnica e capacitação
A maior dificuldade para a integração da agricultura familiar ao sistema produtivo, hoje, é a incapacidade dos pequenos produtores competirem com o agronegócio. Equipado com máquinas modernas, sementes de qualidade e estudos técnicos que lhe garantem produtividade crescente, o grande produtor consegue entregar os alimentos na mesa do consumidor mais baratos do que os pequenos, mesmo que as distâncias a serem percorridas sejam substancialmente maiores. O pequeno produtor foi abandonado pelas políticas públicas com a progressiva modernização do campo. Além da falta de crédito, negaram-lhe a assistência técnica e a capacitação para poder aumentar sua produtividade. Até as escolas de agronomia voltaram-se para o agronegócio, formando majoritariamente engenheiros especializados na monocultura ou vendedores de adubos e insumos para os grandes produtores.
O grande sinal de mudança desse modelo foi a vitória do MDA sobre o Ministério da Agricultura na disputa pelas verbas da assistência técnica e extensão rural, que estava decidida no processo de transição de governo, mas demorou para ser sacramentada. Com a mudança na supervisão dos programas relacionados, o volume de recursos para a assistência técnica teve aumentos substanciais. Mesmo com o ajuste fiscal do ano passado, foram gastos R$ 127 milhões, em 2003. Este ano, a previsão é de aplicar R$ 198 milhões e a estimativa para 2005 é de R$ 270 milhões na soma das ações voltadas para assistência técnica e extensão rural.
Para apoiar a política de desenvolvimento sustentado dos territórios rurais, serão capacitados 18 mil agentes no ano que vem. Mais 66 mil agricultores familiares deverão ser treinados para planejar e preparar melhor suas lavouras. Um novo programa foi criado para melhorar a qualificação dos agricultores e seus familiares. Estão previstos R$ 44,3 milhões para a Educação no Campo (Pronera). Não é só um programa de alfabetização e educação fundamental, como vinha sendo feito. Além de proporcionar educação básica para 74 mil jovens e adultos, o programa ajudará na formação, no ano que vem, de 6 mil profissionais de nível médio e 4 mil profissionais de nível superior para atender a reforma agrária e a agricultura familiar.
Ao mesmo tempo em que investe na qualificação do pequeno produtor, o governo está procurando apoiar projetos de integração produtiva, que possibilitem a redução de custos e agregação de valor aos produtos. O estímulo a esses projetos vai desde o apoio a 10 projetos para inovação tecnológica no semi-árido ao fomento de 100 projetos de diversificação econômica e agregação de valor na agricultura familiar. Incluindo também ajuda financeira de R$ 9,8 milhões para estimular a agroindustrialização, comercialização e formação de arranjos produtivos solidários, que beneficiarão quase 28 mil famílias assentadas. É a partir dessas iniciativas de inclusão dos pequenos produtores no mercado, somado ao crédito, à preservação da terra e às condições para melhorar a produção, que o governo Lula acredita estar começando uma verdadeira revolução no campo brasileiro.
Nelson Breve - 20/9/2004
Agência Carta Maior

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