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sábado, 12 de novembro de 2011
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
COTAS: O DEBATE QUE NINGUÉM FAZ

A animosidade mistificadora de certas posições favoráveis às cotas constitui uma (inconsciente?) manifestação de autoritarismo e utiliza estratagemas comuns a todas as formas de pensamento único. Criou-se uma confortável redoma em torno da polêmica, restringindo-a tanto aos beneficiários afro-descendentes quanto a especialistas dotados de jargões tidos como inquestionáveis. A simples contestação se transformou num atestado de preconceito racial, sufocada pela perene ameaça de constrangimento público. É a consagração do politicamente correto, raciocínio silogístico de aparência inofensiva que esconde uma empobrecedora tentativa de homogeneização cultural, com respaldo na hipocrisia e no policiamento histérico.
Enquanto isso, a sociedade brasileira vai sendo obrigada a engolir outra engrenagem de valores importada cegamente dos EUA, país com violento histórico de segregação e conflitos étnicos, onde as chamadas “ações afirmativas” fortaleceram o repúdio à miscigenação e não impediram uma velada permanência de hábitos discriminatórios com o sinal invertido. Nossa multiplicidade cultural antiqüíssima, predominantemente sincrética, é demasiado conhecida para insistirmos nas particularidades que deveriam ser levadas em consideração antes de se instituir por aqui uma idéia controversa e talvez malsucedida onde implantada.
Não seria um perigoso equívoco usar pretextos étnicos para diferenciar cidadãos, influenciando o acesso a vagas em instituições de ensino, postos de trabalho ou qualquer objetivo pleiteado por muitos? Esse problema metodológico não é a única objeção possível, mas permanece a mais insolúvel. Imaginemos o absurdo dilema: apelamos para a aberração de estabelecer “raça” utilizando meios pretensamente científicos, investigamos 200 milhões de genealogias ou aceitamos veredictos calcados em critérios tão frágeis como a tez ou o depoimento pessoal.
O sistema de cotas cumpriria um papel lamentavelmente desagregador numa população cuja esmagadora maioria possui algum descendente escravizado, explorado ou humilhado. É retrógrado e incoerente porque reforça ilusórias diferenças quando deveria destruí-las. É traiçoeiro porque ratifica a competição e o oportunismo, já endêmicos. E é injusto porque passa ao largo da miséria ao selecionar suas vítimas, como se houvesse diferença entre flagelados negros, cafuzos ou verdes com bolinhas roxas.
A inclusão social é uma necessidade em âmbito nacional, cuja premência transcende políticas compensatórias limitadas e paliativas. A luta contra o preconceito corre o risco de cair no oficialismo burocrático e perder uma credibilidade conquistada a duras penas, pela eterna reafirmação da essência criminosa do racismo, em detrimento do combate aos alicerces materiais da desigualdade.
Esse debate envolve toda a sociedade e precisa ser abordado de forma transparente, sem ressentimentos, simplificações paternalistas ou maniqueísmos superficiais.
Guilherme Scalzilli
Revista Caros Amigos
Edição 89
Agosto de 2004
Revista Caros Amigos
Edição 89
Agosto de 2004
terça-feira, 8 de novembro de 2011
BOOM TECNOLÓGICO FINANCIA GUERRA NO CONGO
Governo, insurgentes, vizinhos e milícias locais disputam minas de ouro e de minério crucial para indústria eletrônica
Celulares, mísseis e computadores alimentam os conflitos no leste da República Democrática do Congo. Apenas 0,3% dos 60 milhões de congoleses têm acesso à internet, mas a disputa por um mineral essencial para os componentes eletrônicos, a colombita-tantalita, opõe governo, rebeldes apoiados por países vizinhos, grupos locais de "autodefesa" e milícias hutus remanescentes do genocídio de Ruanda.
Devastado pela guerra civil intermitente, parcialmente interrompida pelo acordo de paz de 2003, o Congo é incapaz de controlar suas fronteiras e seu rico subsolo, sujeito a uma "sistemática e organizada expropriação", segundo relatório da ONU. Abundantes no leste do Congo, o ouro, a cassiterita e a columbita-tantalita -conhecida na África pela abreviação coltan- cruzam as fronteiras de Ruanda, Uganda e Burundi e desaparecem nas estatísticas de contrabando.
Os mineradores ganham até US$ 200 por mês -uma pequena fortuna no Congo, onde o desemprego é generalizado e a renda mensal de um trabalhador raramente supera US$ 10 mensais. A chegada maciça de hutus, que deixaram Ruanda após o massacre dos tutsis, em 1994, acirrou a disputa pelo eldorado.
As técnicas de extração são precárias, diz o geólogo brasileiro Nereu Heidrich, do Departamento Nacional de Produção Mineral, que compara o garimpo congolês de coltan a Serra Pelada. Não há controle da produção. A origem do minério importado por países desenvolvidos tampouco é certificada. Por isso, diz Heidrich, "é fácil "lavar" a columbita-tantalita contrabandeada".
A estimativa de que o Congo possui 80% das reservas de coltan, divulgada pela Anistia Internacional, é "provavelmente exagerada", acredita o pesquisador Nilson Botelho, da Universidade de Brasília. Os dados atuais, que confirmam apenas 1% das supostas reservas congolesas, tampouco oferecem uma estimativa confiável, na opinião dos pesquisadores. "Faltam estudos geológicos na região", explica Botelho.
O controle estatal, precário, é inexistente nas Províncias conflagradas de Kivu do Norte e Kivu do Sul. As áreas de mineração são disputadas por grupos armados, divididos por rivalidades étnicas.
Rebeldes tutsis liderados pelo general renegado Laurent Nkunda, que tem apoio do governo ruandês, enfrentam as milícias locais "mayi mayi" e grupos hutus remanescentes do genocídio de Ruanda. Soldados do Exército congolês desertaram em Goma, capital regional, e a Monuc (Missão da ONU no Congo), maior missão de paz em exercício no mundo, assiste impassível ao conflito.
A violência forçou cerca de 300 mil congoleses a deixarem suas casas. "As frentes de batalha mudam rapidamente", conta François Dumont, porta-voz da ONG Médicos Sem Fronteira no país. "Temos casos de famílias forçadas a se deslocarem sete vezes." Nos campos que abrigam os deslocados, falta água potável, comida e latrinas.
Para o analista congolês Muzong Kodi, do centro de pesquisa internacional Chatham House, as rivalidades étnicas são uma "cortina de fumaça". "As causas fundamentais do conflito são a guerra dos minerais, que nunca foi discutida nas negociações de paz, e a impunidade das violações humanitárias no país."
Devastado pela guerra civil intermitente, parcialmente interrompida pelo acordo de paz de 2003, o Congo é incapaz de controlar suas fronteiras e seu rico subsolo, sujeito a uma "sistemática e organizada expropriação", segundo relatório da ONU. Abundantes no leste do Congo, o ouro, a cassiterita e a columbita-tantalita -conhecida na África pela abreviação coltan- cruzam as fronteiras de Ruanda, Uganda e Burundi e desaparecem nas estatísticas de contrabando.
Os mineradores ganham até US$ 200 por mês -uma pequena fortuna no Congo, onde o desemprego é generalizado e a renda mensal de um trabalhador raramente supera US$ 10 mensais. A chegada maciça de hutus, que deixaram Ruanda após o massacre dos tutsis, em 1994, acirrou a disputa pelo eldorado.
As técnicas de extração são precárias, diz o geólogo brasileiro Nereu Heidrich, do Departamento Nacional de Produção Mineral, que compara o garimpo congolês de coltan a Serra Pelada. Não há controle da produção. A origem do minério importado por países desenvolvidos tampouco é certificada. Por isso, diz Heidrich, "é fácil "lavar" a columbita-tantalita contrabandeada".
A estimativa de que o Congo possui 80% das reservas de coltan, divulgada pela Anistia Internacional, é "provavelmente exagerada", acredita o pesquisador Nilson Botelho, da Universidade de Brasília. Os dados atuais, que confirmam apenas 1% das supostas reservas congolesas, tampouco oferecem uma estimativa confiável, na opinião dos pesquisadores. "Faltam estudos geológicos na região", explica Botelho.
O controle estatal, precário, é inexistente nas Províncias conflagradas de Kivu do Norte e Kivu do Sul. As áreas de mineração são disputadas por grupos armados, divididos por rivalidades étnicas.
Rebeldes tutsis liderados pelo general renegado Laurent Nkunda, que tem apoio do governo ruandês, enfrentam as milícias locais "mayi mayi" e grupos hutus remanescentes do genocídio de Ruanda. Soldados do Exército congolês desertaram em Goma, capital regional, e a Monuc (Missão da ONU no Congo), maior missão de paz em exercício no mundo, assiste impassível ao conflito.
A violência forçou cerca de 300 mil congoleses a deixarem suas casas. "As frentes de batalha mudam rapidamente", conta François Dumont, porta-voz da ONG Médicos Sem Fronteira no país. "Temos casos de famílias forçadas a se deslocarem sete vezes." Nos campos que abrigam os deslocados, falta água potável, comida e latrinas.
Para o analista congolês Muzong Kodi, do centro de pesquisa internacional Chatham House, as rivalidades étnicas são uma "cortina de fumaça". "As causas fundamentais do conflito são a guerra dos minerais, que nunca foi discutida nas negociações de paz, e a impunidade das violações humanitárias no país."
Guerra Mundial Africana
Kodi vê com receio a perspectiva de envolvimento dos países da região no conflito. Na Cúpula sobre a Paz no Congo, recém-realizada no Quênia, os africanos criticaram a inércia da ONU e prometeram mandar tropas, se necessário.
O Conselho de Segurança afirma haver consenso sobre o envio de reforços. Mas, enquanto os países desenvolvidos resistem em ceder militares, os africanos mobilizam suas tropas. Após a derrota da diplomacia francesa, que tentou articular o envio de soldados europeus, Angola anunciou nesta semana que seu Exército já está em estado de alerta.
Teme-se uma escalada da violência, como a que ocorreu entre 1998 e 2003, quando seis Exércitos lutaram na guerra civil congolesa. O conflito, também chamado de Guerra Mundial Africana, deixou 5 milhões de vítimas, a maioria civis mortos pela fome ou por doenças, em meio ao fogo cruzado.
Para o coronel Jean-Paul Dietrich, porta-voz da Monuc, a presença de tropas estrangeiras fora da bandeira da ONU agravaria a situação no Congo. Conflitos de interesses persistem, apesar do fim formal das hostilidades, em 2003.
"Creio que Ruanda se aproveitou da fragilidade do Estado congolês para escavar as minas no limite da legalidade", diz o militar. A reconciliação dos países, segundo ele, passa também pelo julgamento das milícias hutus acusadas do genocídio de 1994. A despeito de um acordo bilateral, há indícios de que o Congo coopere com os milicianos, que combatem Nkunda.
A paz armada nos Grandes Lagos pode ser prelúdio da "segunda guerra mundial" africana, como temem Kodi e Dietrich, ou início de uma solução regional, diante da falência da ONU.
Kodi vê com receio a perspectiva de envolvimento dos países da região no conflito. Na Cúpula sobre a Paz no Congo, recém-realizada no Quênia, os africanos criticaram a inércia da ONU e prometeram mandar tropas, se necessário.
O Conselho de Segurança afirma haver consenso sobre o envio de reforços. Mas, enquanto os países desenvolvidos resistem em ceder militares, os africanos mobilizam suas tropas. Após a derrota da diplomacia francesa, que tentou articular o envio de soldados europeus, Angola anunciou nesta semana que seu Exército já está em estado de alerta.
Teme-se uma escalada da violência, como a que ocorreu entre 1998 e 2003, quando seis Exércitos lutaram na guerra civil congolesa. O conflito, também chamado de Guerra Mundial Africana, deixou 5 milhões de vítimas, a maioria civis mortos pela fome ou por doenças, em meio ao fogo cruzado.
Para o coronel Jean-Paul Dietrich, porta-voz da Monuc, a presença de tropas estrangeiras fora da bandeira da ONU agravaria a situação no Congo. Conflitos de interesses persistem, apesar do fim formal das hostilidades, em 2003.
"Creio que Ruanda se aproveitou da fragilidade do Estado congolês para escavar as minas no limite da legalidade", diz o militar. A reconciliação dos países, segundo ele, passa também pelo julgamento das milícias hutus acusadas do genocídio de 1994. A despeito de um acordo bilateral, há indícios de que o Congo coopere com os milicianos, que combatem Nkunda.
A paz armada nos Grandes Lagos pode ser prelúdio da "segunda guerra mundial" africana, como temem Kodi e Dietrich, ou início de uma solução regional, diante da falência da ONU.
Clara Fagundes,
Folha de São Paulo,
16 de novembro de 2008
Folha de São Paulo,
16 de novembro de 2008
APOIO À AGRICULTURA FAMILIAR DÁ NOVO RUMO À POLÍTICA AGRÁRIA
Os conflitos fundiários e as dificuldades do poder público para fazer uma verdadeira reforma agrária no País e transformar todos os acampamentos de sem-terras em assentamentos rurais sustentáveis, têm deixado em segundo plano do noticiário nacional um processo que poderá promover uma verdadeira revolução no meio rural brasileiro. Intervenções importantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para alterar a política agrícola do País, aumentando o peso da agricultura familiar no sistema produtivo nacional, estão sendo subestimadas ou focalizadas de maneira fragmentada, tornando difícil entender onde o governo Lula quer chegar.
A análise detalhada da proposta orçamentária para 2005 e do projeto de revisão do Plano Plurianual de Investimentos (PPA 2004/2007), que estão no Congresso, permite visualizar mais nitidamente essa direção. O governo está voltado para melhorar as condições de vida no campo, com investimentos que elevem a qualidade e produtividade da agricultura familiar, para aumentar a renda e criar ocupação massiva no meio rural, reduzindo o êxodo dos últimos 50 anos, de modo a evitar a pressão sobre o mercado trabalho urbano.
O caminho para isso é ampliar a produção de alimentos com uma política agrícola que integre a agricultura familiar e a agricultura organizada em bases empresarias, conhecida como agronegócio. Essa integração era considerada impossível pelo governo anterior, que apostava em uma política voltada exclusivamente para o agronegócio, tal como fazem os países desenvolvidos. O financiamento da agricultura familiar era visto como política social compensatória, pois não se acreditava na integração dos pequenos produtores à economia de mercado.
O governo petista tenta provar que essa integração é possível e necessária. Pois, ao contrário dos países industrializados, que possuem entre 2% e 5% da população ocupada no campo, o Brasil ainda tem cerca de 20% de sua mão-de-obra no meio rural – dos quais 70% trabalhando na agricultura familiar. E a criação de empregos no campo sai muito mais barata que na cidade. Além disso, os pequenos produtores são responsáveis por 40% da produção agropecuária nacional, sendo os principais abastecedores de alimentos do País.
Reforma agrária não é política social
No entanto, o fortalecimento da agricultura familiar depende de políticas de crédito estáveis, assistência técnica, infra-estrutura, escoamento, seguro, garantia de mercado e preço e políticas sociais voltadas para aproximar a qualidade de vida no campo à das cidades (saúde, educação, cultura, lazer, energia etc). “Não aceitamos que a agricultura familiar seja tratada como braço social do agronegócio. A reforma agrária faz parte de uma política de desenvolvimento”, sustenta Fábio Pereira, assessor especial do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto.
No entanto, o fortalecimento da agricultura familiar depende de políticas de crédito estáveis, assistência técnica, infra-estrutura, escoamento, seguro, garantia de mercado e preço e políticas sociais voltadas para aproximar a qualidade de vida no campo à das cidades (saúde, educação, cultura, lazer, energia etc). “Não aceitamos que a agricultura familiar seja tratada como braço social do agronegócio. A reforma agrária faz parte de uma política de desenvolvimento”, sustenta Fábio Pereira, assessor especial do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto.
Essa concepção, sustentada no programa de campanha do candidato Lula, orienta as ações do MDA desde o início do governo petista. Mas, só agora o objetivo da política agrária foi ratificado na prática, ao ser amparado pela proposta orçamentária para o ano que vem. Os programas e atividades supervisionados pelo MDA deixaram de ser considerados parte das políticas sociais do governo e passaram a integrar a área de produção. Tendo em vista que é no orçamento que um governo revela sua orientação e suas prioridades, essa alteração mostra que, para o governo Lula, a política agrária voltada para os pequenos agricultores tem a mesma dimensão que a política industrial e a de ciência e tecnologia.
Algumas informações sobre metas e aporte recursos garimpadas no PPA 2004/2007 e na proposta orçamentária de 2005 confirmam essa orientação. A começar pelo Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, carro-chefe do MDA. O objetivo do governo é expandir as linhas de crédito para beneficiar o maior número possível de produtores. No caso dos assentados da reforma agrária, a meta é elevar, até 2007, a taxa de beneficiados de 50% para 77% do total de produtores enquadrados nas condições exigidas pelo programa. O financiamento para os agricultores familiares mais pobres, com renda anual de até R$ 2 mil, atende hoje 17% da clientela. O PPA estima dobrar o índice nos próximos três anos. No caso dos produtores com renda familiar acima de R$ 40 mil anual, o objetivo é aumentar o atendimento de 44% para 50%.
Mais crédito para os pequenos produtores
Para alcançar essas metas, o governo tem ampliado significativamente a oferta de crédito aos agricultores familiares. Na safra 2002/2003, foram disponibilizados R$ 4 bilhões, mas só R$ 2,2 bilhões chegaram aos produtores. No ano passado, as linhas de crédito do Pronaf foram ampliadas para R$ 5,4 bilhões e o volume de empréstimos aumentou para R$ 4,5 bilhões. Para a safra que começou agora, já estão assegurados R$ 7 bilhões, o suficiente para atender 1,8 milhão de famílias (450 mil a mais que na safra anterior) - e o presidente Lula avisou que não faltará dinheiro se a demanda for maior. Uma das dificuldades para que os recursos cheguem aos produtores é a inibição decorrente da falta de instrução para apresentar um projeto ao banco, que também não estava preparado para atender pequenos produtores, pois a orientação anterior era dar preferência aos agropecuaristas de grande porte.
Para alcançar essas metas, o governo tem ampliado significativamente a oferta de crédito aos agricultores familiares. Na safra 2002/2003, foram disponibilizados R$ 4 bilhões, mas só R$ 2,2 bilhões chegaram aos produtores. No ano passado, as linhas de crédito do Pronaf foram ampliadas para R$ 5,4 bilhões e o volume de empréstimos aumentou para R$ 4,5 bilhões. Para a safra que começou agora, já estão assegurados R$ 7 bilhões, o suficiente para atender 1,8 milhão de famílias (450 mil a mais que na safra anterior) - e o presidente Lula avisou que não faltará dinheiro se a demanda for maior. Uma das dificuldades para que os recursos cheguem aos produtores é a inibição decorrente da falta de instrução para apresentar um projeto ao banco, que também não estava preparado para atender pequenos produtores, pois a orientação anterior era dar preferência aos agropecuaristas de grande porte.
O programa de abastecimento agroalimentar é outro exemplo da nova orientação política. O objetivo desse programa é dar condições aos produtores para elevar a produção nacional de alimentos. No PPA 2004/2007, a meta é aumentar a produção de grãos de 123 para 153 milhões de toneladas por ano. Para isso, o governo mantém estoques reguladores que promovem o equilíbrio de preços, de modo a não deixar os produtores na mão perversa dos atravessadores, que aproveitam os períodos de excesso ou falta de produtos para lucrar ás custas de quem produz e quem consome. Apenas 0,5% das aquisições do governo vinha sendo adquirido da agricultura familiar. A meta do PPA é elevar essa participação para 8,4%. Em 2005, 100 mil famílias deverão ser beneficiadas com a compra de R$ 200 milhões em alimentos para abastecer programas sociais como o Fome Zero.
No caso da reforma agrária, houve ajustes nas metas do PPA para que fossem compatibilizadas com o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) aprovado pelo presidente no fim do ano passado. A previsão de recursos para a implantação de projetos de assentamentos rurais foi reforçada para acolher o aumento da estimativa de famílias assentadas de 195.818 para 391.522, beneficiando 90% dos trabalhadores sem-terra acampados hoje. O orçamento global do MDA proposto para 2005 (R$ 4,3 bilhões) é 63% maior que a previsão de gastos deste ano (R$ 2,6 bilhões).
O maior reforço foi na concessão de crédito para instalação das famílias assentadas. Passou de R$ 322,4 milhões para R$ 1,4 bilhão. Parte desses recursos (R$ 888,1 milhões) vão para financiar despesas iniciais das 115 mil famílias que o MDA espera assentar este ano. A outra parte (R$ 549,3 milhões) vai para 71.130 famílias colocadas em assentamentos recuperados. O crédito fundiário para aquisição de imóveis rurais e investimentos básicos teve também ampliação significativa – de R$ 340,5 milhões para R$ 427,2 milhões. Esses recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária (Banco da Terra) serão usados para financiar 27.188 famílias que queiram comprar terras nas regiões onde já não existem mais latifúndios improdutivos ou o tamanho da propriedade não se enquadra nos limites passíveis de desapropriação.
Nas regiões onde ainda existem terras improdutivas, a previsão para o ano que vem é preparar a vistoria em 4,6 milhões de hectares (ha) e concluir o processo de obtenção de 1,3 milhão de ha. Para essas aquisições serão emitidos títulos da dívida agrária (TDAs) no valor de R$ 567 milhões. Outros R$ 188 milhões deverão ser gastos para indenizar as benfeitorias da propriedade das propriedades desapropriadas. Do total de desapropriações, 105 mil ha são áreas remanescentes de 60 quilombos, onde serão assentados os descendentes dos escravos que fundaram aquelas comunidades. Também está prevista a regularização fundiária de 111.379 imóveis rurais.
Assistência técnica e capacitação
A maior dificuldade para a integração da agricultura familiar ao sistema produtivo, hoje, é a incapacidade dos pequenos produtores competirem com o agronegócio. Equipado com máquinas modernas, sementes de qualidade e estudos técnicos que lhe garantem produtividade crescente, o grande produtor consegue entregar os alimentos na mesa do consumidor mais baratos do que os pequenos, mesmo que as distâncias a serem percorridas sejam substancialmente maiores. O pequeno produtor foi abandonado pelas políticas públicas com a progressiva modernização do campo. Além da falta de crédito, negaram-lhe a assistência técnica e a capacitação para poder aumentar sua produtividade. Até as escolas de agronomia voltaram-se para o agronegócio, formando majoritariamente engenheiros especializados na monocultura ou vendedores de adubos e insumos para os grandes produtores.
A maior dificuldade para a integração da agricultura familiar ao sistema produtivo, hoje, é a incapacidade dos pequenos produtores competirem com o agronegócio. Equipado com máquinas modernas, sementes de qualidade e estudos técnicos que lhe garantem produtividade crescente, o grande produtor consegue entregar os alimentos na mesa do consumidor mais baratos do que os pequenos, mesmo que as distâncias a serem percorridas sejam substancialmente maiores. O pequeno produtor foi abandonado pelas políticas públicas com a progressiva modernização do campo. Além da falta de crédito, negaram-lhe a assistência técnica e a capacitação para poder aumentar sua produtividade. Até as escolas de agronomia voltaram-se para o agronegócio, formando majoritariamente engenheiros especializados na monocultura ou vendedores de adubos e insumos para os grandes produtores.
O grande sinal de mudança desse modelo foi a vitória do MDA sobre o Ministério da Agricultura na disputa pelas verbas da assistência técnica e extensão rural, que estava decidida no processo de transição de governo, mas demorou para ser sacramentada. Com a mudança na supervisão dos programas relacionados, o volume de recursos para a assistência técnica teve aumentos substanciais. Mesmo com o ajuste fiscal do ano passado, foram gastos R$ 127 milhões, em 2003. Este ano, a previsão é de aplicar R$ 198 milhões e a estimativa para 2005 é de R$ 270 milhões na soma das ações voltadas para assistência técnica e extensão rural.
Para apoiar a política de desenvolvimento sustentado dos territórios rurais, serão capacitados 18 mil agentes no ano que vem. Mais 66 mil agricultores familiares deverão ser treinados para planejar e preparar melhor suas lavouras. Um novo programa foi criado para melhorar a qualificação dos agricultores e seus familiares. Estão previstos R$ 44,3 milhões para a Educação no Campo (Pronera). Não é só um programa de alfabetização e educação fundamental, como vinha sendo feito. Além de proporcionar educação básica para 74 mil jovens e adultos, o programa ajudará na formação, no ano que vem, de 6 mil profissionais de nível médio e 4 mil profissionais de nível superior para atender a reforma agrária e a agricultura familiar.
Ao mesmo tempo em que investe na qualificação do pequeno produtor, o governo está procurando apoiar projetos de integração produtiva, que possibilitem a redução de custos e agregação de valor aos produtos. O estímulo a esses projetos vai desde o apoio a 10 projetos para inovação tecnológica no semi-árido ao fomento de 100 projetos de diversificação econômica e agregação de valor na agricultura familiar. Incluindo também ajuda financeira de R$ 9,8 milhões para estimular a agroindustrialização, comercialização e formação de arranjos produtivos solidários, que beneficiarão quase 28 mil famílias assentadas. É a partir dessas iniciativas de inclusão dos pequenos produtores no mercado, somado ao crédito, à preservação da terra e às condições para melhorar a produção, que o governo Lula acredita estar começando uma verdadeira revolução no campo brasileiro.
Nelson Breve - 20/9/2004
Agência Carta Maior
Agência Carta Maior
A GLOBALIZAÇÃO DA POBREZA E A NOVA ORDEM MUNDIAL
A globalização da pobreza está a processar-se durante um período de rápidos avanços tecnológicos e científicos. Enquanto estes últimos contribuem para o incremento substancial da capacidade potencial do sistema econômico de produzir os bens e serviços necessários, os níveis acrescentados de produtividade não se traduzem numa correspondente redução dos níveis de pobreza global.
INTRODUÇÃO
No período do pós-guerra-fria, a humanidade atravessa uma crise econômica e social de escala sem precedentes que está a conduzir ao rápido empobrecimento de vastos setores da população mundial. Assiste-se ao colapso de economias nacionais e a um aumento alarmante do desemprego. Na África subsaariana, no Sul da Ásia e em partes da América Latina, têm-se verificado surtos de fomes a nível local. Esta «globalização da pobreza» — que, em grande medida, fez retroceder as realizações alcançadas com a descolonização do pós-guerra — teve o seu início num Terceiro Mundo marcado pela crise da dívida no princípio dos anos 80 e a conseqüente imposição de reformas econômicas nefastas pelo Fundo Monetário Internacional.
A Nova Ordem Mundial é sustentada pela pobreza humana e a destruição do ambiente. Dá origem ao apartheid social, promove o racismo e os conflitos étnicos, mina os direitos das mulheres e, freqüentemente, precipita os países para confrontos destrutivos entre nacionalidades. Desde os anos 90, tem vindo a estender o seu domínio a todas as principais regiões do Mundo, incluindo a América do Norte, a Europa Ocidental, os países do antigo bloco soviético e os «Novos Países Industrializados» (NPI) do Sudeste Asiático e do Extremo Oriente.
Esta crise a nível mundial é mais devastadora do que a Grande Depressão dos anos 30. Tem conseqüências geopolíticas de grande alcance; a perturbação econômica faz-se acompanhar pelo desencadear de guerras regionais, a fratura de sociedades nacionais e, nalguns casos, a total destruição de países inteiros. Esta é, indubitavelmente, a crise econômica mais grave da História Moderna.
A RECESSÃO DO PERÍODO DO PÓS-GUERRA-FRIA
Na ex-União Soviética, como conseqüência direta do «tratamento econômico» nefasto do FMI iniciado em 1992, o declínio econômico ultrapassou a queda na produção verificada no auge da Segunda Guerra Mundial, após a ocupação alemã da Bielorrússia e de partes da Ucrânia em 1941 e o intenso bombardeamento da infra-estrutura industrial soviética. De uma situação de emprego total e relativa estabilidade de preços nos anos 70 e 80 passou-se para um quadro de subida em flecha da inflação, queda vertical dos salários reais e da taxa de emprego e abandono dos programas de saúde. A cólera e a tuberculose alastram a uma velocidade alarmante numa vasta área da ex-União Soviética.
O modelo da ex-União Soviética repete-se na Europa de Leste e nos Bálcãs. Umas após outras, as economias nacionais desmoronam-se. Nos estados bálticos (Lituânia, Letônia e Estónia), bem como nas repúblicas caucasianas da Armênia e do Azerbaijão, verifica-se um declínio da produção industrial que atinge os 65%. Na Bulgária, as pensões de reforma tinham descido para dois dólares por mês em 1997. O Banco Mundial admitiu que 90% dos búlgaros vivem abaixo do limiar da pobreza, fixado por aquela instituição em 4 dólares por mês. Sem meios para pagarem luz, água e transportes, grupos populacionais por toda a Europa de Leste e os Bálcãs vêem-se brutalmente arredados da era moderna.
O FIM DOS «TIGRES ASIÁTICOS»
No leste da Ásia, a crise financeira de 1997 — marcada por ataques especulativos contra divisas nacionais — contribuiu em grande medida para o fim dos chamados «tigres asiáticos» (Indonésia, Tailândia e Coréia). Os acordos de assistência do FMI, impostos logo após o colapso financeiro, tiveram como conseqüência imediata o declínio abrupto do nível de vida das populações. Na Coréia, na seqüência da «mediação» do FMI — decidida após consultas a alto nível com os maiores bancos comerciais e financeiros do mundo — «uma média de mais de 200 companhias por dia fecharam as suas portas [...] Por dia, cerca de 4000 trabalhadores ficavam desempregados». Entretanto, na Indonésia, num cenário de violentos confrontos nas ruas, os salários praticados pelas fábricas ilegais nas zonas de exportação, que empregavam mão-de-obra barata, desceram de 40 para 20 dólares por mês; e o FMI insistiu na desindexação dos salários como forma de mitigar as pressões inflacionárias.
Na China, com a privatização ou falência obrigatória de milhares de empresas estatais, 35 milhões de trabalhadores estão sob a ameaça de desemprego. Segundo uma estimativa recente, existem cerca de 130 milhões de trabalhadores excedentes nas zonas rurais da China. Por ironia, o Banco Mundial tinha previsto que, com a adoção de reformas do «mercado livre», a pobreza na China desceria para 2,7% no ano 2000.
POBREZA E PERTURBAÇÃO ECONÓMICA NO OCIDENTE
Já durante o período Reagan-Thatcher, as duras medidas de austeridade implementadas tinham resultado na gradual desintegração do Estado social. As medidas de «estabilização econômica» (em princípio adotadas para «atenuar os males da inflação») contribuíram para a queda do vencimento dos trabalhadores e para o enfraquecimento do papel do Estado. Desde os anos 90, a terapia econômica aplicada nos países desenvolvidos contém muitos dos ingredientes essenciais dos programas de ajustamento estrutural impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial ao Terceiro Mundo e à Europa de Leste.
No entanto, em contraste com os países em vias de desenvolvimento, as medidas políticas de reforma na Europa e na América do Norte são impostas sem a mediação do FMI. A acumulação de grandes dívidas públicas nos países ocidentais tem proporcionado às elites financeiras uma alavanca política, bem como o poder de ditar as políticas econômicas e sociais aos governos. Sob a capa do neoliberalismo, as despesas públicas são reduzidas e os programas de assistência social abandonados. As políticas estatais promovem a desregulamentação do mercado de trabalho: desindexação dos salários, emprego a tempo parcial, reforma antecipada e imposição de cortes salariais «voluntários».
Por sua vez, a prática de desgaste — que transfere o fardo social do desemprego para os grupos etários mais jovens — contribuiu para impedir a entrada no mercado de trabalho a toda uma geração. As regras da gestão de recursos humanos nos Estados Unidos são: «'dar cabo' dos sindicatos, voltar os trabalhadores mais velhos contra os mais novos, chamar os fura-greves, baixar os salários e acabar com o seguro médico pago pelas empresas».
Desde os anos 80, uma grande parte da mão-de-obra nos Estados Unidos tem vindo a ser desviada de postos de trabalho bem remunerados e sindicalizados para empregos de salário mínimo. «Terceiro-mundismo» de cidades ocidentais: a pobreza nos guetos e zonas desfavorecidas da América é a vários títulos comparável com a verificada no Terceiro Mundo. Embora a taxa de desemprego «oficial» dos Estados Unidos tenha descido nos anos 90, o número de pessoas com empregos a tempo parcial e mal remunerados subiu em flecha. Em conseqüência do declínio nos postos de trabalho com salário mínimo, grandes setores da população vêem-se completamente afastados do mercado de trabalho: «O gume verdadeiramente selvagem da recessão fere o âmago das comunidades e dos novos imigrantes em Los Angeles, onde as taxas de desemprego triplicaram e não existe uma rede de segurança social. As pessoas estão em queda livre e as suas vidas desintegram-se, com o desaparecimento de empregos de salário mínimo».
Por outro lado, a reestruturação econômica criou divisões profundas entre classes sociais e grupos étnicos. O ambiente das grandes zonas metropolitanas caracteriza-se pelo «apartheid social» : a paisagem urbana encontra-se compartimentada segundo linhas sociais e étnicas. O Estado, por sua vez, é cada vez mais repressivo na forma como gere os conflitos sociais e procura controlar as manifestações de descontentamento da sociedade civil.
Com a onda de fusões corporativas, downsizing e encerramento de fábricas, todas as categorias da força de trabalho são afetadas. A recessão atinge a classe média e os escalões superiores da força trabalho. Os orçamentos destinados à investigação são reduzidos, cientistas, engenheiros e outros profissionais vão para o desemprego e funcionários públicos superiores e gestores são forçados a pedir a reforma antecipada...
Entretanto, as realizações do período inicial do pós-guerra têm vindo a ser anuladas através da suspensão dos planos de seguro de desemprego e da privatização dos fundos de pensões. Escolas e hospitais fecham as suas portas, criando-se assim as condições necessárias para a privatização total dos serviços sociais.
Entretanto, as realizações do período inicial do pós-guerra têm vindo a ser anuladas através da suspensão dos planos de seguro de desemprego e da privatização dos fundos de pensões. Escolas e hospitais fecham as suas portas, criando-se assim as condições necessárias para a privatização total dos serviços sociais.
UMA ECONOMIA CRIMINOSA FLORESCENTE
As reformas do «mercado livre» favorecem o desenvolvimento de atividades ilícitas, bem como a concomitante «internacionalização» de uma economia criminosa. Na América Latina e na Europa de Leste, as organizações criminosas têm vindo a investir na aquisição de bens do Estado ao abrigo dos programas de privatização apoiados pelo FMI-Banco Mundial. Segundo as Nações Unidas, a receita total a nível mundial das «organizações criminosas transnacionais» (OCT) é da ordem de um milhão de bilhões de dólares, representando um montante equivalente ao PIB (Produto Interno Bruto) do grupo de países com baixo rendimento com uma população de cerca de 3 mil milhões de pessoas. Esta estimativa das Nações Unidas abrange tráfico de narcóticos, vendas de armamento, contrabando de materiais nucleares, etc, assim como as receitas derivadas da economia de serviços controlados pela máfia (prostituição, jogo, câmbios ilícitos, etc). O que estes dados não transmitem adequadamente é a magnitude dos investimentos de rotina em negócios «legítimos» por parte de organizações criminosas, assim como o controlo significativo que estas exercem sobre os recursos produtivos em muitas áreas da economia legal.
Os grupos criminosos colaboram rotineiramente com empreendimentos legais através de investimentos numa série de atividades «legítimas», as quais não somente lhes proporcionam uma fachada para o branqueamento de dinheiro como também providenciam um processo adequado para a acumulação de riqueza fora do âmbito da economia criminosa. Segundo um observador, «os grupos de crime organizado têm um melhor desempenho do que a maioria das empresas do índice Fortune 500 [...] com organizações que se assemelham mais à General Motors do que à tradicional máfia siciliana». Segundo um depoimento prestado a um subcomitê do Congresso dos Estados Unidos por Jim Moody, o diretor do FBI, as organizações criminosas na Rússia estão «a cooperar com outros grupos criminosos estrangeiros, incluindo os sediados em Itália e na Colômbia [...] a transição para o capitalismo [na ex-União Soviética] proporcionou novas oportunidades rapidamente exploradas pelas organizações criminosas».
BANQUEIROS DE WALL STREET NOS BASTIDORES
Tem vindo a desenvolver-se um « consenso político »; por todo o mundo, os governos adotaram inequivocamente objetivos de face neoliberal. As mesmas medidas econômicas são aplicadas a nível mundial. Sob a jurisdição do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio, as reformas criam um «ambiente propício» para as atividades de bancos globais e empresas multinacionais. Não se trata, todavia, de um sistema de mercado «livre»: embora assente numa retórica neoliberal, o chamado « programa de ajustamento estrutural » apoiado pelo acordo de Bretton Woods constitui um novo enquadramento intervencionista.
No entanto, o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio constituem meros órgãos burocráticos. São organismos reguladores que operam sob uma capa intergovernamental e se encontram comandados por poderosos interesses econômicos e financeiros. Os banqueiros de Wall Street e os líderes do maior conglomerado de empresas estão por detrás destas instituições globais. Reúnem regularmente à porta fechada com o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio, bem como em inúmeros pontos de encontro internacionais. Nestas reuniões e sessões de consulta participam igualmente os representantes de poderosos grupos de pressão de empresas globais, tais como a Câmara Internacional de Comércio (CIC) (International Chamber of Commerce — ICC), o Diálogo de Negócios Transatlântico (DNT) (Trans Atlantic Business Dialogue — TABD) (que reúne nos seus encontros anuais os líderes do maior conglomerado de empresas do Ocidente com políticos e funcionários da Organização Mundial de Comércio), o Conselho de Comércio Internacional dos Estados Unidos (United States Council for International Business — USCIB), o Fórum Econômico Mundial de Davos, o Instituto Internacional de Finanças (IIF) sediado em Washington e que representa os maiores bancos e instituições financeiras do mundo, etc. Outras organizações «semi-secretas» — que desempenham um papel importante na definição das instituições da Nova Ordem Mundial — incluem a Comissão Trilateral, o grupo Bildeberg e o Conselho para as Relações Estrangeiras.
A ECONOMIA DA MÃO-DE-OBRA BARATA
A globalização da pobreza está a processar-se durante um período de rápidos avanços tecnológicos e científicos. Enquanto estes últimos contribuem para o incremento substancial da capacidade potencial do sistema Econômico de produzir os bens e serviços necessários, os níveis acrescentados de produtividade não se traduzem numa correspondente redução dos níveis de pobreza global. No início de um novo milênio, este declínio global do nível de vida das populações não resulta de uma escassez de recursos produtivos.
Pelo contrário, o downsizing, a reestruturação corporativa e a transferência da produção para locais de mão-de-obra barata no Terceiro Mundo têm vindo a conduzir ao aumento do desemprego e à redução dos salários dos trabalhadores urbanos e rurais. Esta nova ordem econômica sustenta-se com a pobreza humana e com a mão-de-obra barata : os altos níveis de desemprego nacional, tanto em países desenvolvidos como em países em vias de desenvolvimento, contribuíram para fazer baixar os salários reais. O desemprego foi internacionalizado, com o capital migrando de um país para outro numa busca contínua de fontes de mão-de-obra mais barata. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o desemprego afeta mil milhões de pessoas a nível mundial, ou seja, cerca de um terço da força de trabalho global. Os mercados de trabalho nacionais deixaram de ser segregados: os trabalhadores de diferentes países encontram-se em clara concorrência uns com os outros. Com a desregulamentação dos mercados de trabalho, os direitos dos trabalhadores são anulados.
O desemprego global funciona como uma alavanca reguladora dos custos trabalhistas a nível mundial: a abundância de mão-de-obra barata no Terceiro Mundo e no ex-Bloco de Leste contribui para o abaixamento dos salários nos países desenvolvidos. Praticamente todas as categorias da força de trabalho (sem excluir os trabalhadores altamente qualificados, os profissionais liberais e os cientistas) são afetadas; simultaneamente, a concorrência pelos postos de trabalho fomenta divisões sociais baseadas em classe social, grupo étnico, sexo e idade.
MICROEFICIÊNCIA, MACROINSUFICIÊNCIA
As empresas globais minimizam os custos do trabalho a nível mundial. Os salários reais no Terceiro Mundo e na Europa de Leste chegam a ser setenta vezes inferiores aos dos EUA, da Europa Ocidental ou do Japão: as possibilidades de produção são praticamente inesgotáveis, dada a grande quantidade de trabalhadores pobres em todo o mundo.
Enquanto as teorias econômicas vigentes acentuam a «distribuição eficaz» dos «escassos recursos» da sociedade, as duras realidades sociais põem em questão as conseqüências destes meios de distribuição. Assiste-se ao encerramento de fábricas, pequenas e médias empresas são empurradas para a falência, trabalhadores qualificados e funcionários públicos são despedidos e o capital humano e material é desperdiçado em nome da «eficiência». O impulso para a utilização «eficaz» dos recursos da sociedade ao nível microeconômico conduz a uma situação diametralmente oposta ao nível macroeconômico. Quando existem grandes quantidades de capacidade industrial desaproveitada e milhões de trabalhadores desempregados, os recursos não estão sendo utilizados eficientemente. O capitalismo moderno parece totalmente incapaz de mobilizar estes recursos humanos e materiais desaproveitados.
ACUMULAÇÃO DE RIQUEZA, DISTORÇÃO DA PRODUÇÃO
Esta reestruturação econômica global promove a estagnação no fornecimento dos bens e serviços necessários e simultaneamente desvia os recursos existentes para investimentos lucrativos na economia dos bens de luxo. Ao mesmo tempo, com o esgotamento da criação de capital em atividades produtivas, o lucro é cada vez mais freqüentemente procurado em transações especulativas e fraudulentas, o que, por sua vez, contribui para a ocorrência de perturbações nos principais mercados financeiros mundiais.
Uma minoria social privilegiada tem vindo a acumular vastas fortunas à custa da grande maioria da população. O número de bilionários nos EUA subiu de 13 em 1982 para 149 em 1996 e ultrapassou os 300 em 2000. O «Clube Global de Bilionários» (com cerca de 450 sócios) é detentor de uma riqueza total que excede em muito a soma dos produtos internos brutos do grupo de países de baixo rendimento, com 59% da população mundial (ver quadro 1.1). A riqueza pessoal da família Walton, do noroeste do Arkansas, proprietários da cadeia de lojas Wal-Mart (85 mil milhões de dólares) — a herdeira, Alice Walton, os seus irmãos Robson, John e Jim e a mãe, Helen — atinge mais do dobro do PIB do Bangladesh (33,4 mil milhões de dólares), com uma população de 127 milhões de pessoas e um rendimento anual per capita de 260 dólares.
A acrescentar a este quadro, o processo de acumulação de riqueza desenrola-se cada vez mais freqüentemente à margem da economia real, divorciado de atividades produtivas e comerciais fidedignas. «O sucesso no mercado de ações de Wall Street [ou seja, das transações especulativas] foi responsável pela maior parte dos bilionários no ano passado [1996]». Por sua vez, os milhares de milhões de dólares adquiridos através destas transações especulativas são desviados para contas confidenciais em mais de 50 paraísos fiscais offshore em todo o mundo. Segundo uma estimativa do banco de investimentos americano Merrill Lynch, os depósitos individuais geridos através de bancos privados em paraísos fiscais offshore totalizam cerca de 3,3 mil bilhões de dólares. O FMI calcula que os bens offshore de empresas e de indivíduos atinjam os 5,5 mil bilhões de dólares, um valor equivalente a 25% do rendimento total mundial. Nos anos 90, as fortunas das elites do Terceiro Mundo, depositadas em contas secretas e, em grande medida, obtidas por meios ilícitos, foram calculadas em cerca de 600 mil milhões de dólares, estando um terço desta quantia depositado na Suíça.
PRODUÇÃO EXCEDENTE: AUMENTO DA OFERTA, DIMINUIÇÃO DA PROCURA
O aumento da produção no sistema do capitalismo global resulta da «minimização do emprego» e do arrocho dos salários dos trabalhadores. Este processo, por sua vez, afeta os níveis de procura por parte do consumidor de bens e serviços necessários: capacidade ilimitada de produção, capacidade limitada de consumo. Numa economia global de mão-de-obra barata, o processo de aumento da produção (através de downsizing, dispensas coletivas e abaixamento de salários) contribui para reduzir a capacidade de consumo da sociedade.
Por conseguinte, a tendência é para a produção excedente a uma escala jamais vista. Por outras palavras, a expansão corporativa neste sistema só pode verificar-se através da concomitante eliminação da capacidade produtiva inativa, nomeadamente através da falência e da liquidação de «empresas excedentes». Estas últimas são preteridas em favor da produção mecanizada mais avançada: a totalidade de certas áreas da indústria encontra-se inativa, a economia de vastas regiões é afetada, e só está a ser utilizada uma parte do potencial agrícola mundial.
Esta oferta global excessiva de bens de consumo é uma conseqüência direta do declínio no poder de compra e do aumento dos níveis de pobreza. Este último resulta também da minimização dos custos de trabalho e do emprego a nível mundial sob o impacto das reformas do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio.
Por sua vez, o excesso de oferta contribui para acentuar o abaixamento das receitas dos produtores diretos, através da desativação da capacidade excedente de produção. Contrariamente à «Lei de Say», arvorada pela corrente neoliberal, a oferta não cria a sua própria procura. Desde o início dos anos 80, o excesso de produção de bens de consumo, com a conseqüente queda dos preços (reais) destes bens, tem sido causa de grandes perturbações, especialmente entre os produtores primários do Terceiro Mundo, mas também na área da manufatura.
INTEGRAÇÃO GLOBAL, DESINTEGRAÇÃO LOCAL
Nos países em vias de desenvolvimento, a totalidade de algumas áreas da indústria fornecedora do mercado interno é empurrada para a falência, em cumprimento de ordens do Banco Mundial e do FMI. O sector urbano informal — que, tradicionalmente, desempenha um papel importante na criação de emprego — foi minado, em conseqüência da desvalorização de divisas, da liberalização das importações e da política de dumping. Na África subsaariana, por exemplo, o sector informal da indústria do pronto-a-vestir foi completamente destruído e substituído pelo mercado de roupas em segunda mão (importadas do Ocidente a 80 dólares a tonelada).
Contra este pano de fundo de estagnação econômica (com taxas negativas de crescimento registradas na Europa de Leste, na ex-União Soviética e na África subsaariana), as maiores empresas mundiais beneficiam de um crescimento sem precedentes e da expansão do seu quinhão do mercado global. No entanto, este processo desenrolou-se em grande medida através do afastamento dos sistemas produtivos preexistentes — ou seja, à custa dos produtores locais, regionais e nacionais. A expansão e o «lucro» das maiores empresas mundiais assentam numa contração global do poder de compra e no empobrecimento de vastos setores da população mundial. Por sua vez, as reformas do «mercado livre» contribuíram de forma brutal para a abertura de novas fronteiras econômicas, simultaneamente garantindo o «lucro» através da imposição de salários baixíssimos e da desregulamentação do mercado de trabalho. Neste processo, a pobreza é um fator positivo da oferta. A gama de reformas do FMI--Banco Mundial-Organização Mundial de Comércio imposta ao nível mundial desempenha um papel decisivo na regulamentação dos custos do trabalho em nome do capital corporativo.
Trata-se da lei da sobrevivência do mais forte: as empresas com as tecnologias mais avançadas, ou as que podem impor salários mais baixos, sobrevivem numa economia mundial marcada pela produção excedente. Embora o espírito do liberalismo anglo-saxônico se empenhe na «promoção da concorrência», na prática as medidas políticas macroeconômicas do G-7 (através de controles fiscais e monetários apertados) têm promovido uma onda de fusões corporativas e de aquisições, assim como a falência de pequenas e médias empresas.
A DESTRUIÇÃO DA ECONOMIA LOCAL
Ao nível local, as pequenas e médias empresas são empurradas para a falência ou obrigadas a produzir para um distribuidor global. Por sua vez, as grandes multinacionais apoderaram-se dos mercados ao nível local através do sistema de franchising corporativo. Este processo permite ao grande capital corporativo (o franchiser ) obter o controlo dos recursos humanos, da mão-de-obra barata e da capacidade empresarial. Uma grande parte dos ganhos das pequenas empresas locais e/ou dos retalhistas é assim retida pela sociedade global, enquanto a maior parte dos custos do investimento cabe ao produtor independente (o franchisee ).
Observa-se um processo paralelo na Europa Ocidental. Com o tratado de Maastricht, o processo de reestruturação política na União Européia tem cada vez mais em consideração interesses financeiros dominantes, à custa da unidade das sociedades européias. Neste sistema, o poder estatal tem deliberadamente vindo a sancionar o desenvolvimento de monopólios privados: o grande capital destrói o pequeno capital em todas as formas de que este se reveste. Com a tendência para a formação de blocos econômicos tanto na Europa como na América do Norte, assiste-se à eliminação do empresário ao nível regional ou local, a vida nas cidades sofre transformações e a propriedade privada a pequena escala desaparece completamente. O «comércio livre» e a integração econômica proporcionam uma maior mobilidade às empresas globais enquanto, simultaneamente, impedem (através de barreiras institucionais e não tarifárias) o movimento do pequeno capital a nível local. Embora aparente unidade política, a «integração econômica» (sob o domínio da empresa global) promove com freqüência fações e lutas sociais entre sociedades nacionais e no seio destas.
GUERRA E GLOBALIZAÇÃO
A imposição de reformas macroeconômicas e de transações comerciais sob a supervisão do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio (OMC) destina-se a recolonizar certos países de forma «pacífica» através da manipulação deliberada das forças de mercado. Embora não requeira explicitamente o uso de força, a aplicação brutal de reformas econômicas constitui, no entanto, uma forma de guerra. Os perigos da guerra, a um nível mais geral, devem ser compreendidos. A guerra e a globalização não são questões estanques.
O que acontece aos países que se recusam a «abrir-se» aos bancos ocidentais e às empresas multinacionais em cumprimento das ordens da Organização Mundial de Comércio? Os serviços de informação das potências militares ocidentais e dos seus vários órgãos burocráticos têm contactos rotineiros com o poder financeiro instituído. O FMI, o Banco Mundial e a OMC — que policiam as reformas econômicas ao nível de país — colaboram igualmente com a NATO nas suas várias missões de «manutenção de paz», já para não referir o financiamento de reconstrução «pós-conflito» sob os auspícios das instituições de Bretton Woods.
No início do terceiro milênio, a guerra e o «mercado livre» andam de mãos dadas. A guerra não necessita da OMC ou de um tratado de investimento multilateral (ou seja, um MAI — Multilateral Investment Treaty) entrincheirado no direito internacional. A guerra é o «MAI» de último recurso. A guerra destrói fisicamente o que não foi desmantelado através da desregulamentação, da privatização e da imposição de reformas do «mercado livre». A total colonização através da guerra e a instalação de protetorados ocidentais equivalem à concessão de «tratamento nacional» aos bancos ocidentais e às empresas multinacionais (como estipulado pela OMC) em todos os setores de atividade. A «diplomacia dos mísseis» é uma réplica da «diplomacia dos canhões» utilizada para implementar o «comércio livre» no século XIX. A Missão Cushing dos EUA à China em 1844 (na seqüência das Guerras do Ópio) foi um aviso ao governo imperial chinês de que «a recusa em ceder às exigências americanas poderia considerar-se uma declaração de guerra».
O DESARMAMENTO DA NOVA ORDEM MUNDIAL
A ideologia do mercado «livre» defende uma forma nova e brutal de intervencionismo do Estado, assente na interferência deliberada nas forças de mercado. Suprimindo os direitos dos cidadãos, o «comércio livre», sob a égide da Organização Mundial de Comércio (OMC) concede «direitos inalienáveis» aos maiores bancos do mundo e às empresas globais. O processo de implementação de acordos internacionais, conduzido pela Organização Mundial de Comércio ao nível nacional e internacional, passa invariavelmente ao lado do processo democrático. Por outras palavras, ao conceder poderes alargados ao poder financeiro instituído, os artigos da OMC ameaçam conduzir ao enfraquecimento de sociedades nacionais (ver capítulo 1).
A Nova Ordem Mundial baseia-se no «falso consenso» de Washington e de Wall Street, que impõe o «sistema de mercado livre» como a única opção possível na senda ditada pelo avanço da «prosperidade global». Todos os partidos políticos, sem exceção, os Verdes, os Sociais-Democratas e os partidos ex-Comunistas, aceitam agora este consenso.
As ligações insidiosas existentes entre políticos e funcionários internacionais e poderosos interesses financeiros devem ser expostas. Para se alcançarem mudanças significativas, as instituições estatais e as organizações intergovernamentais têm de ser libertas das garras do poder financeiro instituído. É igualmente necessário democratizar o sistema Econômico e as suas estruturas de gestão e propriedade, por resolutamente em questão a concentração óbvia da propriedade e das fortunas privadas, desarmar os mercados financeiros, suspender os negócios especulativos, por fim ao branqueamento de dinheiro, desmantelar o sistema bancário offshore , redistribuir os rendimentos e a riqueza, restaurar os direitos dos produtores diretos e reconstruir o sistema de segurança social do Estado.
No entanto, é necessário ter em conta que as estruturas militares e de segurança ocidentais caucionam e apóiam os interesses econômicos e financeiros dominantes — ou seja, tanto a constituição como o exercício da força militar se destinam a impor o «comércio livre». O Pentágono é uma sucursal de Wall Street; a NATO coordena as suas operações militares com o Banco Mundial e as medidas de intervenção do FMI, e vice-versa. De forma consistente, os organismos de segurança e defesa da aliança militar ocidental, em colaboração com os vários governos e órgãos burocráticos intergovernamentais (tais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC) partilham um entendimento comum, um consenso ideológico e igual empenho na Nova Ordem Mundial. Por outras palavras, a campanha internacional contra a «globalização» deve ser integrada numa coligação mais alargada de forças sociais empenhadas no desmantelamento do complexo militar-industrial, da NATO e das instituições da defesa, nas quais se incluem os serviços policiais, de informação e de segurança.
Os meios de comunicação globais fabricam as notícias e distorcem abertamente o curso dos acontecimentos mundiais. Esta «falsa consciência» que se infiltra na nossa sociedade impede o debate crítico e mascara a verdade. Em última análise, nega o acesso a um entendimento coletivo dos mecanismos de um sistema Econômico que está a destruir a vida das pessoas. A única promessa do «mercado livre» é um mundo de agricultores sem terra, fábricas fechadas, trabalhadores sem emprego e programas sociais destruídos, com o «amargo remédio Econômico» da OMC e do FMI a constituírem a única receita. Temos a obrigação de restaurar a verdade, denunciar os meios de comunicação de massas controlados pelas empresas, devolver a soberania aos nossos países e aos povos dos nossos países e desarmar e abolir o capitalismo global.
Esta luta deve ter uma ampla base democrática de sustentação que abranja todos os setores da sociedade a todos os níveis, em todos os países, unindo num só ímpeto trabalhadores, agricultores, produtores independentes, pequenos negociantes, profissionais liberais, artistas, funcionários públicos, membros do clero, estudantes e intelectuais. Os elementos de setores diversos devem unir-se, os grupos com uma causa específica devem dar-se as mãos num entendimento comum e coletivo do poder destrutivo e empobrecedor deste sistema Econômico. A globalização desta luta é fundamental e requer um grau de solidariedade e internacionalismo sem precedentes na História mundial. Este sistema Econômico global é alimentado pela divisão social entre países e no seio destes. A unidade de objetivos e a coordenação ao nível mundial entre os diversos grupos são cruciais. É necessário um ímpeto de grande magnitude que congregue os movimentos sociais nas principais partes do Mundo num objetivo comum e no empenhamento para a eliminação da pobreza e a obtenção de uma paz mundial duradoura.
Michel Chossudovsky,
diretor do Centre for Research on Globalization.
diretor do Centre for Research on Globalization.
Santiago, 21 de novembro de 2003
A IMPORTÂNCIA DE UMA DEFINIÇÃO DE TERRORISMO
Existe uma divergência notória da comunidade internacional em relação à definição de terrorismo. O que é ou não é terrorismo tem sido uma das grandes questões com que os principais atores políticos internacionais se têm debatido. Não há ainda nenhuma definição unanimemente aceite pela comunidade internacional. Pelo contrário, várias definições coexistem e o consenso parece longe de ser alcançado. Nós, os ocidentais pecamos freqüentemente pelo discurso hegemônico sobre terrorismo. Temos a tendência de assumir que o que fazemos é contra-terrorismo, algo não desejável, mas necessário para atingir um bem maior. Pelo contrário, o que “eles”, os terroristas, fazem é abominável e injustificável. Os “nossos” erros são considerados de caráter excepcional, os erros “deles” são vistos como intencionais e intrínsecos à sua própria natureza. Por outras palavras, ”eles” fazem reféns, “nós” detenções.
Torna-se extremamente urgente a criação de uma definição de terrorismo aceite pela comunidade internacional de forma a reduzir as tensões entre as nações e resolver as crises internacionais. A falta da tal definição, principalmente no seio das Nações Unidas, dificulta os esforços internacionais contra esta ameaça. Na base da divergência sobre a formulação de uma definição de terrorismo estão dois pontos de vista que, embora parecendo teoricamente complementares, na prática são irreconciliáveis. Para uns a proteção do Estado e dos seus valores democráticos está no centro do debate, para outros, o mais importante é a não opressão dos designados “ freedom fighters ”. O que este artigo pretende é dar um contributo para a definição de terrorismo, distinguindo-o de outras formas de violência.
Há autores que definem terrorismo pelo Efeito produzido. É fácil de medir esta variável, mas no entanto um ladrão de bancos não é, geralmente, considerado terrorista se a sua ação não contiver um objetivo político. Definir terrorismo através do seu Método parece simples também, mas será que um sniper americano que faz uso de um método terrorista, é considerado terrorista? A Intenção, dizem alguns, também deve ser equacionada. É difícil estabelecer um ato como sendo terrorista baseado exclusivamente na intenção, mas é precisamente isso que distingue um ladrão de bancos terrorista, que atua com um objetivo político, de outro ladrão de bancos, que vulgarmente atua com objetivos econômicos. Outros acrescentam que se pode definir uma ação terrorista pelo Contexto , ou seja, que uma definição deve refletir a percepção popular de que o terrorismo usado durante uma luta pela libertação contra uma ocupação opressiva é mais justificável do que quando usado numa luta contra um “justo” ocupador. Todas estas nuances tornam a definição de uma definição de terrorismo muito relativa.
Terrorismo também não é guerrilha. Primeiro, terrorismo é, geralmente, materializado, num local calmo, ao contrário da guerrilha que se associa geralmente ao ambiente de guerra. Segundo, o alvo do terrorismo são não-combatentes ao contrário da guerrilha em que o alvo são combatentes. Terceiro, o número de baixas resultantes do terrorismo tem por base razões político-psicológicas, ao contrário da guerrilha, em que as razões são político-militares. Quarto, o terrorismo é normalmente materializado num ambiente urbano, enquanto que a guerrilha se associa mais ao ambiente rural. Quinto, enquanto que guerrilha se verifica em unidades geográficas e territoriais bem definidas, no terrorismo isso não se verifica, podendo ocorrer em áreas territoriais e geográficas difusas e previamente indefinidas. Sexto, freqüentemente a organização que está por trás da atividade terrorista não é visível, é quase sempre feita num underground level , enquanto que a organização das atividades de guerrilha é geralmente bem visível. Sétimo, o terrorismo opera a partir de pequenas células ao contrário da guerrilha, em que há um grupo de dimensão considerável. Oitavo, enquanto que a guerrilha faz, normalmente, parte de um movimento popular de grandes dimensões, o terrorismo não encontra tanta base de apoio popular. Nono e último, o número de baixas na guerrilha é significativamente maior que no terrorismo: Vietnam/Afeganistão: 1 milhão; 11 de Setembro: aproximadamente 3337.
Terrorismo também é diferente de genocídio. Enquanto que no genocídio o alvo é a totalidade de um dado grupo, sendo o objetivo a sua completa extinção, o terrorismo não tem como alvo o todo. Ou seja, no terrorismo o alvo é uma terceira parte envolvida, para além das próprias vitimas que são instrumentalizadas para atingir essa tal terceira parte em conflito, enquanto que no genocídio o alvo é as próprias vítimas, não há uma terceira parte a influenciar.
O que distingue atos terroristas de crime, insanidade ou outras formas de guerra, é que os atos terroristas são geralmente motivados politicamente, fazem parte de uma estratégia, são muito dramáticos, as vítimas não são combatentes, e essas mesmas vítimas têm o “valor” estratégico de direcionar a mensagem para uma terceira parte.
Por fim, o famoso chavão “one man"s terrorist is another man"s freedom fighter” é falsa. Um indivíduo pode ser só uma coisa ou ambas. “Freedom fighting” é definido com referência a um objetivo, terrorismo refere-se a um método. Porque terrorismo é um método, apesar de alguns o terem elevado a ideologia, e porque Estados e entidades não estatais usam terrorismo, parece mais correto falar em métodos terroristas do que em movimentos terroristas. Sendo assim, definindo por oposição ao outro só serve para retirar legitimidade à noção de “ freedom fighting ” e para complicar deliberações políticas. Exemplos de ações de “ freedom fighting ” são a primeira intifada Palestina; a luta Indiana pela independência ou o movimento pelos direitos civis nos EUA.
Estabelecidas as devidas distinções, pode definir-se terrorismo como um método premeditado, politicamente motivado, comunicador de violência ou uma ameaça de violência contra não-combatentes em que as mortes das vítimas têm um valor mais psicológico do que estratégico-funcional e que procura influenciar uma terceira parte, geralmente a parte que dirige a comunidade que é alvo das ações. Em suma, e para ilustrar melhor esta definição de terrorismo acima mencionada, vejamos alguns casos práticos. Não é terrorismo: o assassinato de J.F. Kennedy; massacres em escolas; assassinatos de oficiais espanhóis pela ETA; ataque suicida do Hezbollah contra os marines norte-americanos ( grey area - se esses oficiais estiverem a dormir ou não estiverem ao serviço já pode ser considerado terrorismo); a operação militar americana no Afeganistão. É terrorismo: assassinatos de banqueiros pela RAF (outra grey area – se os banqueiros são vistos como oficiais do sistema capitalista-imperialista não é terrorismo); castigo coletivo das forças israelitas aos Palestinos; os bombardeamentos aliados em Dresden ou Hiroshima; treino americano aos Contras com o objetivo de aterrorizar a população de Nicarágua.
Ana Manuel Ferreira Malheiro de Magalhães,
Jornal Defesa, Portugal
Jornal Defesa, Portugal
A GLOBALIZAÇÃO E NÓS
Um pensador de ótica social - democrática, Anthony Giddens, observou recentemente que poucos termos são freqüentemente usados, e tão pobremente conceptualizados, quanto “globalização”. Para alguns, representa uma internacionalização sem precedentes da vida econômica e política; seria o colapso das fronteiras, anunciando câmbios fundamentais na sociedade e na cultura. É tipicamente a turma do “fim”; o fim da História, o fim do trabalho, o fim da família. Para a comunidade internacional dos negócios é a perspectiva do crescimento incontido do mercado. Para os “hiperglobalizantes”, prenuncia a vitória dos mercados sobre o Estado, e, assim, uma reconfiguração do mapa político do mundo, com base em cidades-Estado e regiões econômicas, em vez de estados nacionais. Já os “céticos da globalização”, como P. Hirst, dão-se à pachorra de mostrar que a economia mundial esteve mais integrada no começo do que no fim do século XX.
Mas que há algo profundamente novo, isso há. P. Sutherland, hoje diretor gerente da Goldman Sachs Internacional, no auge da crise financeira mundial, em 98, depois da genuflexão ideológica de praxe às virtudes da globalização, reconhece que ela fez a vida difícil para muitos. Ameaça deixar parte do mundo para trás, e assusta tanto os ricos (que temem perder seus padrões de vida) quanto os pobres (que se sentem cada vez mais distantes do Primeiro Mundo). Alguns desses efeitos provêm de outras causas facilmente identificadas (câmbios tecnológicos, deficiências educacionais, mercados de trabalho inflexíveis, impostos altos, e uma força de trabalho em envelhecimento). Mas a galera acha que as causas da angústia são o comércio e os investimentos globais.
E que fazer de problemas que surgem de um sem-número de causas que é impossível compreender totalmente e que tendem a ficar cada vez mais complicados, como a degradação ambiental, as doenças, o crime, o terrorismo, as pressões migratórias incontroláveis?
O economista americano R. Kuttner, que se intitula um “liberal” (o que nos Estados Unidos indica tendências esquerdistas), afirma que a grande conquista deste século foi domesticar a força bruta do capitalismo laissez-faire. Através de políticas macroeconômicas ativas e da regulamentação das tendências autodestrutivas dos mercados, o capitalismo teria colocado um piso em baixo da força de trabalho. Recorreu a investimentos políticos diretos, para cura das recessões, e adotou normas ambientais. Tudo isso gerou um capitalismo mais eficiente e ao mesmo tempo mais socialmente aceitável, temperando os extremos de volatilidade e desigualdade.
É claro que as esquerdas brasileiras neoburras não concordam. Acham que esta história de neoliberalismo são idéias da burguesia e dos seus intelectuais para “aniquilar uma seção da nossa sociedade”. Isso representa um pouco o lado obscuro do espírito, que precisa de inimigos misteriosos e de forças ocultas para juntar coisa com coisa. Quando o Papa Inocente VIII, no final do século XV, com a assistência técnica de dois monges alemães, Kramer e Sprenger, inaugurou, através da bula “Summi Desiderantes”, a fase “moderna” da Inquisição, estava apenas expressando aquilo que no seu tempo era um pensamento.
Pensamento generalizado. Acreditava-se que forças demoníacas estavam operando às escondidas. Houve uma febre repressiva que se estendeu a leigos e protestantes, nobres e camponeses, doutos e ignorantes, cavaleiros e juristas, que passaram todos a acreditar em coisas absurdas, como a existência de relações sexuais com o Belzebu.
Já tivemos demonologias de muitos tipos. Ainda peguei as purgas de Stalin, e vi de perto, há quase 50 anos, o fenômeno do macarthismo, nos Estados Unidos. Baixando o nível de tragédia para o carnaval, tivemos aqui as “forças ocultas” com Vargas e Jânio.
Voltando, porém, à globalização. O que acabou com a crença num universo movido à feitiçaria foi uma “inovação” que rendeu pouco a um empresário de nome Johannes Gutenberg não foi “a” causa. Inúmeras variáveis entraram no processo: avanços tecnológicos, do plantio do nabo à metalurgia das armas de fogo, ao aperfeiçoamento da construção naval, à astronomia de Copérnico e Kepler, à física experimental de Galileu aos descobrimentos geográficos. Só que neste último século e meio a aceleração científica, tecnológica e econômica tornou-se prodigiosa. Mudanças que se davam ao longo de gerações e de décadas foram encurtadas para anos ou meses. E o complexo IC ( informação e comunicações), possibilitando a interação face a face entre gente de todas as partes, encolheu o mundo a uma aldeia virtual. Só para dar uma idéia, em 1942 o valor dos ativos intangíveis das empresas americanas cotadas em bolsa (Índice Dow Jones), que em 1920 era estimado em 87% dos ativos tangíveis (instalações, máquinas, estoques etc.) , caiu para quase zero, e na metade dos anos 90 já era umas quatro vezes maior do que estes!
É o que a economia do conhecimento está fazendo. Hoje a Microsoft vale mais que a General Motors. Os clicks ( toques de computador) valem mais que os bricks (tijolos).
Há aquela história da diferença entre um psicótico e um neurótico. Aquele acha que 2 mais 2 são 5, enquanto que este sabe que são 4, mas não tolera a idéia. A globalização é um processo que está acontecendo - sem pedir licença a nenhum de nós. Acentuo a palavra “processo”. Vai ser penoso para alguns, mas, com o tempo, vantajoso para a maioria. Sobretudo, porém, é um dado da realidade, a partir do qual temos de colocar-nos, tanto quanto possível, com uma visão estratégica, procurando antever os custos e benefícios das sucessivas jogadas ao longo do tempo. Reanimar esquemas estáticos pensados para os problemas de 1950, como fazem nossos neonacionalistas, não é o portal de entrada no século XXI.
Mas que há algo profundamente novo, isso há. P. Sutherland, hoje diretor gerente da Goldman Sachs Internacional, no auge da crise financeira mundial, em 98, depois da genuflexão ideológica de praxe às virtudes da globalização, reconhece que ela fez a vida difícil para muitos. Ameaça deixar parte do mundo para trás, e assusta tanto os ricos (que temem perder seus padrões de vida) quanto os pobres (que se sentem cada vez mais distantes do Primeiro Mundo). Alguns desses efeitos provêm de outras causas facilmente identificadas (câmbios tecnológicos, deficiências educacionais, mercados de trabalho inflexíveis, impostos altos, e uma força de trabalho em envelhecimento). Mas a galera acha que as causas da angústia são o comércio e os investimentos globais.
E que fazer de problemas que surgem de um sem-número de causas que é impossível compreender totalmente e que tendem a ficar cada vez mais complicados, como a degradação ambiental, as doenças, o crime, o terrorismo, as pressões migratórias incontroláveis?
O economista americano R. Kuttner, que se intitula um “liberal” (o que nos Estados Unidos indica tendências esquerdistas), afirma que a grande conquista deste século foi domesticar a força bruta do capitalismo laissez-faire. Através de políticas macroeconômicas ativas e da regulamentação das tendências autodestrutivas dos mercados, o capitalismo teria colocado um piso em baixo da força de trabalho. Recorreu a investimentos políticos diretos, para cura das recessões, e adotou normas ambientais. Tudo isso gerou um capitalismo mais eficiente e ao mesmo tempo mais socialmente aceitável, temperando os extremos de volatilidade e desigualdade.
É claro que as esquerdas brasileiras neoburras não concordam. Acham que esta história de neoliberalismo são idéias da burguesia e dos seus intelectuais para “aniquilar uma seção da nossa sociedade”. Isso representa um pouco o lado obscuro do espírito, que precisa de inimigos misteriosos e de forças ocultas para juntar coisa com coisa. Quando o Papa Inocente VIII, no final do século XV, com a assistência técnica de dois monges alemães, Kramer e Sprenger, inaugurou, através da bula “Summi Desiderantes”, a fase “moderna” da Inquisição, estava apenas expressando aquilo que no seu tempo era um pensamento.
Pensamento generalizado. Acreditava-se que forças demoníacas estavam operando às escondidas. Houve uma febre repressiva que se estendeu a leigos e protestantes, nobres e camponeses, doutos e ignorantes, cavaleiros e juristas, que passaram todos a acreditar em coisas absurdas, como a existência de relações sexuais com o Belzebu.
Já tivemos demonologias de muitos tipos. Ainda peguei as purgas de Stalin, e vi de perto, há quase 50 anos, o fenômeno do macarthismo, nos Estados Unidos. Baixando o nível de tragédia para o carnaval, tivemos aqui as “forças ocultas” com Vargas e Jânio.
Voltando, porém, à globalização. O que acabou com a crença num universo movido à feitiçaria foi uma “inovação” que rendeu pouco a um empresário de nome Johannes Gutenberg não foi “a” causa. Inúmeras variáveis entraram no processo: avanços tecnológicos, do plantio do nabo à metalurgia das armas de fogo, ao aperfeiçoamento da construção naval, à astronomia de Copérnico e Kepler, à física experimental de Galileu aos descobrimentos geográficos. Só que neste último século e meio a aceleração científica, tecnológica e econômica tornou-se prodigiosa. Mudanças que se davam ao longo de gerações e de décadas foram encurtadas para anos ou meses. E o complexo IC ( informação e comunicações), possibilitando a interação face a face entre gente de todas as partes, encolheu o mundo a uma aldeia virtual. Só para dar uma idéia, em 1942 o valor dos ativos intangíveis das empresas americanas cotadas em bolsa (Índice Dow Jones), que em 1920 era estimado em 87% dos ativos tangíveis (instalações, máquinas, estoques etc.) , caiu para quase zero, e na metade dos anos 90 já era umas quatro vezes maior do que estes!
É o que a economia do conhecimento está fazendo. Hoje a Microsoft vale mais que a General Motors. Os clicks ( toques de computador) valem mais que os bricks (tijolos).
Há aquela história da diferença entre um psicótico e um neurótico. Aquele acha que 2 mais 2 são 5, enquanto que este sabe que são 4, mas não tolera a idéia. A globalização é um processo que está acontecendo - sem pedir licença a nenhum de nós. Acentuo a palavra “processo”. Vai ser penoso para alguns, mas, com o tempo, vantajoso para a maioria. Sobretudo, porém, é um dado da realidade, a partir do qual temos de colocar-nos, tanto quanto possível, com uma visão estratégica, procurando antever os custos e benefícios das sucessivas jogadas ao longo do tempo. Reanimar esquemas estáticos pensados para os problemas de 1950, como fazem nossos neonacionalistas, não é o portal de entrada no século XXI.
Roberto Campos
Jornal O Globo - Rio de Janeiro - RJ
Jornal O Globo - Rio de Janeiro - RJ
Publicado em : 20/02/2000
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